segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A Consulta - Luís Martins



― Sua aparência é saudável, mas as aparências ás vezes enganam. Vamos lá ver: que é que o senhor sente?
― O que eu sinto doutor? Não sei dizer direito. É uma espécie de opressão, de angústia, de ansiedade... ― E o senhor pensa que eu também não sinto? Isto é normal. Normalíssimo. Que mais?
―Bem, doutor. Eu tenho insônias.
―E eu não tenho, por acaso? Pergunte ao seu vizinho se não tem também.
 ―Eu não me dou com meu vizinho.
―É isto: não se dá com seu vizinho. Eu também não me dou com meu. Ninguém se dá com ninguém. Mas não precisa perguntar: eu sei. Seu vizinho não consegue dormir. Ninguém consegue. Isto é normal.
―Mas, Doutor...
―Eu sei: o senhor anda nervoso, excitado, angustiado... Diga-me: não sente medo? Um medo sem causa, sem nenhum motivo aparente, medo de qualquer coisa que o senhor não sabe o que é? ―Realmente... Eu estava com vergonha de dizer, mas, desde que o senhor falou, é verdade: sinto, sim. ―Ótimo! O senhor não tem nada. Eu também sinto. Ó timo torno a dizer. O senhor não tem nada meu amigo. Está inteiramente são, uma vez que sente medo. Se não sentisse, aí sim, precisaríamos procurar as causas dessa anomalia. Talvez fosse grave.
 ―Sabe doutor? Ás vezes tenho a impressão de que estou ficando neurótico.
―Claro que está! E eu não estou? E o seu vizinho não está? E o senhor pensa que vai ficar de fora? Por quê? Mas reflita um pouco, meu caro. O senhor vive, eu vivo, toda agente vive num mundo anormal, sádico, doente, sanguinário, onde o homem é cada vez mais ― e como nunca foi ― o lobo do próprio homem. Um mundo de guerras, de massacres, de hecatombes, alicerçados no ódio, na iniquidade e na violência. Acrescente a tudo isso a poluição atmosférica, a poluição sonora, a poluição moral, a degradação dos costumes, a falências dos serviços públicos, o colapso do trânsito, a morte da urbanidade, da cordialidade, da solidariedade humana. O senhor sente angústia. É natural. O senhor tem medo. É normalíssimo. O senhor tem insônias. Como não tê-las? Meu caro cliente vá tranqüilo: o senhor não tem absolutamente nada. Passe bem. O próximo, por favor?

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