sábado, 16 de julho de 2011

O Tesouro de Bresa

Retirado de “O livro de Aladim – Malba Tahan”

 Houve outrora, em Babilônia – a famosa cidade dos Jardins Suspensos -, pobre e modesto afaiate chamado Enedim, homem inteligente e trabalhador, que, por suas boas qualidades e dotes de coração, granjeara muitas simpatias no bairro em que morava.
 Eneidim passava o dia inteiro, da manhã à noite, cortando e preparando as roupas de seus numerosos fregueses, e, embora paupérrimo, não perdia a esperança de vir a ser riquíssimo, senhor de muitos palácios e grandes tesouros.
 Como conquistar, porém, essa tão ambicionada riqueza?, pensava o mísero remendão, passando e repassando a agulha grossa de seu ofício. Como descobrir um desses famosos tesouros que se acham escondidos no seio da terra ou perdidos nas profundezas dos mares?
 Ouvira contar, em palestra com estrangeiros vindos do Egito, da Síria, da Grécia e da Fenícia, histórias prodigiosas de aventureiros que haviam topado com cavernas imensas cheias de ouro; grutas profundas crivadas de brilhantes; luras sórdidas que guardavam caixas pesadíssimas a trasbordar de perolas, mimoso fruto de rapina de bárbaros cartagineses. E não poderia ele, à semelhança desses aventureiros felizes, descobrir um tesouro fabuloso e tornar-se, assim, de um momento para outro, mais rico do que Nabonid, o rei poderoso? Ah, se tal acontecesse, ele seria, então, senhor de um coruscante palácio; teria numerosos escravos; e, todas as tardes, num grande carro de ouro, tirado por mansos leões, passearia, de seu vagar, sobre as grandes muralhas de Babilônia, cortejando amistosamente os príncipes ilustres da casa real!
 Assim meditava o bondoso Enedim, divagando por tão longínquas riquezas, quando lhe parou à porta de casa um velho mercador da Fenícia, que vendia tapetes, caixas de ébano, bolas de vidro, imagens, pedras coloridas e uma infinidade de outros objetos estravagantes tão apreciados pelos babilônios.
 Por mera curiosidade, começou Enedim a examinar as bugigangas que o vendedor lhe oferecia, quando descobriu, entre elas, uma espécie de livro de muitas folhas, onde se viam caracteres estranhos e desconhecidos.
 Era uma preciosidade aquele livro – afirmava o traficante, passando as mãos ásperas pelas barbas que lhe caíam sobre o peito – e custava apenas três dinares.
 Três dinares? Era muito dinheiro para o pobre alfaiate. Para possuir objeto tão curioso e raro, Enedim seria capaz de gastar até dois dinares de prata.
 -Está bem – concordou o mercador -, fica-lhe o livro por dois dinares, mas esteja certo que lhe dou de graça.
 Afastou-se o vendedor, e Eneidim tratou, sem demora, de examinar cuidadosamente a preciosidade que havia adquirido. Qual foi a sua surpresa quando conseguiu decifrar, na primeira página, a seguinte legenda escrita em complicados caracteres caldaicos: “O segredo do tesouro de Bresa.”
 Por Baal! Aquele livro maravilhoso, cheio de mistério, ensinava, com certeza, onde se encontrava algum tesouro fabuloso, o tesouro de Bresa! Mas que tesouro seria esse? Enedim recordava-se vagamente de já ter ouvido qualquer referencia a ele. Mas quando? Onde?
 E com o coração a bater descompassadamente, decifrou ainda:
O tesouro de Bresa, enterrado pelo gênio de mesmo nome entre as montanhas do Harbatol, foi ali esquecido, e ali acha ainda, até que algum homem esforçado venha a encontrá-lo.
Harbatol! Que montanhas seriam essas que enterravam todo o ouro fabuloso de um gênio?
 E o esforçado tecelão dispôs-se a decifrar todas as páginas daquele livro, a ver se atinava, custasse o que custasse, com o segredo de Bresa para apoderar-se do tesouro imenso que o capricho de seu possuidor fizera enterrar nalguma gruta perdida entre as montanhas.
 As primeiras páginas eram escritas em caracteres de vários povos; Enedim foi obrigado a estudar os hieróglifos egípcios, a língua dos gregos, os dialetos persas, o complicado idioma dos judeus. Ao fim de três anos, deixava Enedim a antiga profissão de alfaiate, e passava a ser o interprete do rei, pois na cidade não havia quem soubesse tantos idiomas estrangeiros.
 O cargo de intérprete do rei era bem rendoso; ganhava cem dinares por dia; ademais, morava numa grande casa, tinha muitos criados e todos os nobres da corte o saudavam respeitosamente.
 Não desistiu, porém, o esforçado Enedim de descobrir o grande mistério de Bresa. Continuando a ler o livro encantado, encontrou várias páginas cheias de cálculos, números e figuras. E, a fim de ir compreendendo o que lia, foi obrigado a estudar matemática com o calculista da cidade, tornando-se, ao cabo de pouco tempo, grande conhecedor das complicadas transformações aritméticas.
 Graças a esses novos conhecimentos, pôde Enedim calcular, desenhar e construir uma grande ponte sobre o Eufrades; esse trabalho agradou tanto ao rei que o monarca resolveu nomear Enedim para exercer o cargo de prefeito. O antigo e humilde alfaiate passava, assim, a ser um dos homens mais notáveis da cidade.
 Ativo e sempre empenhado em desvendar o segredo do tal livro, foi compelido a estudar profundamente as leis, os princípios religiosos de seu país e do povo caldeu; com o auxílio desses novos conhecimentos, conseguiu Enedim dirimir uma velha pendência entre os doutores.
 - É um grande homem, o Enedim – declarou o rei quando soube do fato – vou nomeá-lo primeiro-ministro.
 E assim fez. Foi o nosso esforçado herói ocupar o elevado cargo de ministro. Vivia então, num suntuoso palácio, perto do jardim real, tinha muitos escravos e recebia visitas dos príncipes mais ricos e poderosos do mundo.
 Graças ao trabalho e ao grande saber de Enedim, o reino progrediu rapidamente, a cidade ficou repleta de estrangeiros; ergueram-se grandes palácios, várias estradas se construíram para ligar Babilônia às cidades vizinhas. Enedim era o homem mais notável de seu tempo; ganhava diariamente mais de mil moedas de ouro; e tinha seu palácio, de mármores e pedrarias, caixas de bronze cheias de jóias riquíssimas e de perolas de valor incalculável.
 Mas – cousa interessante – Enedim não conhecia ainda o segredo do livro de Bresa, embora lhe tivesse lido e relido todas as páginas! Como poderia penetrar aquele mistério?
 E, um dia, cavaqueando com um velho imã, teve ocasião de referir-se à incógnita que o atormentava. Riu-se o bom religioso ao ouvir a ingênua confissão do grão-vizir e, afeito a decifrar os maiores enigmas da vida, assim falou:
 - o tesouro de Bresa já está em vosso poder, meu senhor. Graças ao livro misterioso é que adquiristes um grande saber, e esse saber vos proporcionou os invejáveis bens que já possuis. Bresa significa “saber”. Harbatol quer dizer “trabalho”. Com o estudo e trabalho pode o homem conquistar tesouros maiores do os que se ocultam no seio da terra.
 Tinha razão o velho sacerdote.
Bresa, o gênio, guarda realmente um tesouro valiosíssimo que qualquer homem esforçado e inteligente pode conseguir; essa riqueza prodigiosa não se acha porém, perdida no seio da terra nem nas profundezas dos mares; encontrá-la-eis, sim, nos livros, que, proporcionando saber aos homens, abrem para aqueles que se dedicam aos estudos, com amor e tenacidade, as grutas maravilhosas de mil tesouros encantados.

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